Carta Crítica
TABULEIRO DE EGOS
(Paulo Betto Meirelles)
De: Filipe Pamplona.
Niterói, RJ, 30 de março de 2011.
Em primeiro lugar...
Saudações! Meu caro amigo,
Eis uma proposta de livro que se consolidou. O desafio de agregar
vários poemas que emergem de maneira aleatória num único livro, ostentando
início, meio e fim – um conflito que abre e se desfecha – este desafio foi
vencido com maestria, notando-se os ‘poemas aleatórios’ e aqueles
especialmente escritos para o enredo, criando as devidas pontes de ligação. O
objetivo desta ‘carta crítica’ é ceder um pouco da experiência, observação e
reflexão que o ‘Tabuleiro de Egos’ me proporcionou, além de ressaltar alguns
aspectos da linguagem que julguei interessantes.
Os poemas, de modo geral, abusam da 1ª pessoa! Deve-se notar que
tal destaque para a função emotiva da linguagem vem a fortalecer a
profundidade lírica proposta pelo autor, o que chega a formar através de 64
casas (64 poemas diferentes) o que seria um tabuleiro de egos, propriamente
dito. Aqui o lirismo mergulha e afoga em si mesmo, passando por fugazes
momentos de equilíbrio e satisfação. Na medida em que novos dilemas vão se
incorporando, vemos uma sucessão de ‘egos’ – estados de espírito diferentes –
que se saturam (martelam no mesmo prego!), agonizam até se renovar. Sendo
nesta imensa divergência de ‘egos’ apresentada que jaz a riqueza do livro:
diferentes posturas para lidar com as indagações mais fundamentais da mente
humana, porém, na juventude potencializadas. No transcorrer das páginas um
amadurecimento do poeta se torna visível, sem cometer o equívoco de tentar
dar respostas, mas tratando os dilemas já com outra visão.
O livro adota a “facilidade” do verso livre como forma mais pura de
espontânea expressão. Mas esta simplicidade na forma (em termos mais
clássicos) dá lugar a uma riquíssima veia de se brincar com as palavras, seja
na sua espacialidade, semântica, sentidos ou diferentes correlações. Direto e
reto, no caminhar da leitura nos esbarramos com uma brincadeira nova que
demonstra brilho e talento na sua confecção. Parabéns! Esta veia lúdica com
as palavras deve ser levada adiante, pois ela sim contribui direto pra função
poética da linguagem, independente de expressar sentimentos ou quaisquer
opiniões.
Permita-me o pecado de apontar meus 5 poemas preferidos – não que
os demais tenham menor importância, na conjuntura do livro são todos
essenciais, mas estes em qualquer contexto valeriam a leitura, aplaudidos de
pé! – são eles:
_ Novo Lar
_ Santa Safada (Supra-sumo)
_ A_cor_do?
_ O Canalha do Amor
_ V “O cerne da missão poética”
Cometo a injustiça de não apontar alguns outros, mas esta seleção
fortalece a abordagem que estou dando agora, ao dizer: ego, forma,
brincadeira com as palavras e coesão com a obra, como um todo. Agora darei
descrições importantes do meu processo de leitura, pois foram escritas na
medida em que eu terminava cada capítulo, passando mais forte minha
interação com a obra do que quaisquer observações gerais... O legal é que o
cenário de um jogo foi a forma mais divertida de expor minhas opiniões, como
se fosse um intruso observador de uma partida de xadrez, querendo dar palpite
no jogo dos outros, mas de repente envolvido num jogo próprio...
I. XEQUE
Deve-se notar que o livro já começa com o ‘Tabuleiro’ em xeque,
estando em xeque o próprio eu-lírico. Por que não haver descrito o início do
jogo? O que levou o eu-lírico a ser xecado? O que o coloca em xeque é a
própria vida, a realidade, a mera existência... E talvez o início da obra se dê
neste ponto, pois a partir dele que a poesia emergiu e o autor se viu poeta –
“profissão” escolhida para encarar os seus dilemas.
Neste primeiro capítulo vejo um poeta agoniado, realmente ‘dilacerado’
e atormentado pela fraqueza diante dos mistérios do mundo, os quais fomos
imersos sem escolha. Ou seja, jaz em xeque sua ambição e orgulho pelo
saber, a busca do entendimento e da auto-compreensão; mais profundamente
– jaz em xeque seu ego! – É bom que o próximo capítulo seja ‘Intrepidez’, ou
melhor, coragem (pois é necessário).
* Destaques para: ‘Por um triz (O fim do quase)’
& ‘Relatos Dilacerados’.
II. A INTREPIDEZ
Em resposta ao capítulo anterior, como esperado, o sujeito que se via
em xeque realmente ‘revoluciona-se’ e cria ânimo para enfrentar a partida
e retomar o jogo. A jogada utilizada é “nadar contra a corrente”, beber
da contrariedade para dar força ao ‘ego’, ou seja, por um instante (com
tamanha intrepidez) o eu-lírico sai de xeque e desfruta de um sublime êxtase
(brilhantemente expressado em ‘Novo Lar’), porém pouco duradouro, pois a
maquinaria semântica do último poema já denuncia uma crise que está para
entrar, ou já entrou!
* Destaques para:
‘O Inverso do Oposto é o contrário...’
& ‘Novo Lar’.
III. ENTRE A REDENÇÃO E O RECOMEÇO
O jogo continua...
‘Entre a redenção e o recomeço’, o eu-lírico opta pelo recomeço, sem
dúvida. Na verdade, recomeçar é algo que o sucede continuamente, mas traz
seus desgastes – o enrijecimento gradativo do ego, a despedida da pureza (a
cada renovação) e os desgastes do dia-a-dia vão dificultando este ‘processo’...
Como uma máquina que vai gastando óleo e um dia emperra!...
É interessante a solução poética dada para este conflito: além de se
observar uma crescente postura de resignação perante a tudo, a sabedoria da
calma é utilizada no último poema, produto de um cansaço, mas um cansaço
que traz bons frutos e fortalece a crença na palavra, na poesia.
* Destaques para: ‘O Processo’
& ‘Hoje Mais-Que-Perfeito’
IV. O CIRCO DOS ANSEIOS
Neste quarto capítulo há uma grande ligação e desfecho com os três
anteriores: é como se eles fossem ensaios teatrais para a apresentação do
espetáculo agora, um espetáculo fracassado! – Todas as ânsias já foram
apresentadas anteriormente, mas agora voltam e se saturam. Os poemas se
afogam num lirismo redundante; o jogador está jogando mal a partida –
seu ‘ego’ está fraco, abalado, entregando pontos... ‘O Circo dos Anseios’ está
velho e sem graça, prestes a pegar fogo, ou melhor, precisa pegar fogo... Os
prantos derramados trazem simplicidade ao capítulo e o tornam especial.
Talvez toda esta situação de fraqueza simule o blefe posterior, ou que vem
sendo feito...
* Destaque para: ‘Prantos de uma Singela Sexta-feira’.
V. O PREÇO DO BLEFE
‘O preço do blefe’, dos anseios e da busca por respostas trazem neste
capítulo um poeta amadurecido, com um olhar mais singelo de sua condição...
A agonia, inquietude e desespero dão lugar à calma melancólica e a uma maior
aceitação de seu estado, da fugacidade da vida... Tudo passa a se resumir à
vida! Na minha opinião, é um capítulo de reconhecimento e o preço do blefe é
a frustração – sentimento que fere a ambição, mas amadurece o poeta.
VI. A JOGADA PERFEITA
Bravo!
‘A jogada perfeita’ é um capítulo de superação neste livro. O anterior,
embora não tão brilhante, previa um êxtase na criação poética posterior;
anunciava esta superação, ou até exigia...
O lirismo que já se saturava anteriormente é superado; o
amadurecimento do poeta se consolida, sendo o sentimento nostálgico (de
regresso à infância) a força motriz desta evolução. O poeta direciona seu olhar
pro passado já vivendo as surpresas e clímax do presente, da vida adulta,
mas com alto teor de juventude – isto fortalece seu ‘ego’ e digamos: por um
momento faz uma jogada que seus adversários tremem.
O jogo esquentou!
* Destaque para todo o capítulo!
(Todavia, a brincadeira semântica e na forma de
‘Santa Safada’ deve ser aplaudida de pé).
VII. SETE ERROS
Depois da ‘Jogada Perfeita’ é previsível que outra crise floresça. Este
sétimo capítulo atua como uma ressaca de um êxtase, demonstrando uma
partida acirrada em que os egos estão constantemente em confronto,
passando por fugazes momentos de equilíbrio, de superação...
Os ‘Sete Erros’ aqui apresentados – que eu equivocadamente resumo
em: covardia, orgulho, renúncia, morte, dor, o amor e o medo – não são
necessariamente erros, mas inconseqüências acidentais da vida, que no
interior do poeta fogem de seu controle, tornando-se fontes de suprema
perturbação. Acho que ‘Sete Perturbações’ resume o meu entendimento deste
capítulo.
Destaque para: ‘A_Cor_Do?’
(Adorei o jogo com a palavra
e me identifiquei com o poema).
VIII. A CARTA NA MANGA
Onde esta tal ‘Carta na Manga’? Não sei, talvez na loucura. Vejo este
capítulo como uma tentativa de esquivo, um poeta que passa a tentar vencer o
jogo de outras formas, por outros lados...
* Destaques para os poemas:
‘O Canalha do Amor’ & ‘Outra Chance’
(Especialmente o poema ‘O Canalha do Amor’,
pela sua escansão e ritmo levemente seguidos,
característica não muito presente até agora no livro,
além de sua abordagem e sonoridade irreverentes).
IX. O PRESTÍGIO DE CADA PEÇA
Fundamentalista é este capítulo!
Natural que num tabuleiro de egos uma hora se recorra a isto, tais temas
não podiam deixar de ser abordados...
Os paralelismos, ritmos, rimas, as antíteses, o paganismo com religião
e o jogo com as palavras tornam este capítulo especial, diferenciado, o que
significa evolução.
Destaque para: ‘Um Mundo Falho (Imagina a ação?)’
“Não egonize,
Egoneça!”
X. PAGANDO PRA VER À FLOR DA PELE
Bravo!
Bato palmas de pé, mas desta vez em plenitude... Aqui o livro se
consolidou! Não estou a comparar a maestria de cada poema com os
anteriores, aqui não se encontram necessariamente os melhores – porém,
neste capítulo o cerne poético do livro se afirmou. A partir dele todos os
capítulos anteriores ganham sentido, unem-se e consolidam a obra como um
todo.
Das crises passadas ao amadurecimento do poeta, aqui o desafio para
ele se revelou, só lhe restando aprumar o corpo e partir pra guerra, nesta
reta final do ‘Tabuleiro de Egos’. O interessante é que o capítulo, por si só,
abre e se desfecha muito bem; transcorrendo as noções do nascimento, da
insignificância, da riqueza céptica, da temporalidade dolorosa e da GUERRA
DOS EGOS (como prefiro chamar o penúltimo poema), fechando com o cerne
da missão poética – o poema ‘V’ (que desfecha também a série dos quatro
anteriores, trabalhados nos outros capítulos – daí um ponto de ligação).
Finalmente o eu-lírico encarou o desafio e partiu pro “tudo ou
nada”, “vida ou morte”, pagou pra ver à flor da pele, restando-nos saber aonde
chega esta partida nos capítulos seguintes.
* Destaques para: ‘Dói’
& respeito máximo ao poema ‘V’.
XI. A FÚRIA REVELADORA
Algumas aflições já saturadas anteriormente aqui se repetem, mas
tomam uma intensidade diferente – o jogador já é outro, a partida já está em
outro estágio...
A ‘Fúria Reveladora’ talvez esteja no ato de escrever, no qual o eu-
lírico se expressa e se descobre, sendo no poema ‘Ahhhhhhhhhh...’ que uma
barreira é quebrada neste livro: depois de toda uma peregrinação e conflito de
egos ao longo dos capítulos, vê-se o poeta finalmente expressando um grito de
liberdade e de fuga ao seu lirismo, um grito verdadeiro! Por um instante todo o
egocentrismo do Tabuleiro se cala, antecedido dos versos:
“Basta de mim querido universo
Basta disso tudo”
Porém é triste, pois pra qualquer lado que ele corra não há solução. O
caráter céptico do livro se consolida neste capítulo. Tudo o que lhe resta é o
amadurecimento e jogar o olhar para novas direções, adotar novas casas pro
ego. É uma partida invencível, o que resta é adiar a derrota... Aplausos ao
grito! Por um instante o eu-lírico quase chegou lá.
XII. XEQUE MATE
O ‘Xeque Mate’ aqui dado (bem escolhido) foi não haver xeque mate
algum. A partida continua, o que significa: o poeta está vivo, sobrevivendo...
Posso agora afirmar que o desafio poético proposto no livro foi de
extrema complexidade e, talvez, de impossível solução. Tentar solucionar
poderia se tornar um equívoco, morrer seria a derrota, portanto a melhor
solução realmente é o esquivo, ou seja, não por fim à partida, deixar que a vida
o imponha. A justificativa está na frase genial: ‘O ponto final é um crime’.
* Destaques finais para o poema ‘Etra’
e devo dizer que o desfecho com a Ampulheta é ótimo.
Parabéns!
Um filme que faria uma analogia perfeita com o ‘Tabuleiro de Egos’ é
o ‘Sétimo Selo’, de Ingmar Bergman. Ali o protagonista joga uma partida de
xadrez com a ‘Morte’, tornando o tabuleiro um ensaio da vida em que a vitória é
impossível. Sendo a morte a única certeza, o que resta a fazer é adiar a derrota
(estender a vida), para isso buscando jogadas cada vez mais precisas...
Por final, quero elogiar mais uma vez o desafio enfrentado e, tendo
vencido ou não, posso afirmar que fostes um bom guerreiro! A arte do livro
(capa, fotografias, diagramação e etc.) está excelente e constrói bem o cenário
para leitura.
Basta de elogios! Mergulhando mais afundo... Neste ‘Tabuleiro’ pude
compartilhar de diversos anseios e perturbações que ao serem expostos
aqui, demonstraram não fazer parte só de mim, do autor ou de poucos que
leem, mas de uma geração também... Talvez, quando estivermos mais
velhos veremos tais anseios com outros olhos, com mais simplicidade (e
outros equívocos da velhice!), mas agora somam suprema importância da
qual devemos acreditar que daremos um passo à frente, passo este que as
gerações passadas não deram. Sou, antes de tudo, um otimista humano e
acredito nessa rapaziada esperta que está vindo por aí, da qual você e sua
obra já se incluem.
Além da amizade e dos pontos de encontro, depois do meu
envolvimento com o livro posso afirmar que tu, Paulo Betto Meirelles, deixaste
de ser um amigo apenas de festas e apertos de mãos, mas uma pessoa da
qual tenho profundo respeito intelectual.
É a hora!
* Segue um singelo poema...
O qual posso dizer que o ‘Tabuleiro’ me inspirou.
LIRISMO
Já não sei nadar,
Embora no mar
Não morro,
Mas dentro de mim
Afogo sem fim –
Socorro!
Já dentro do fim
Afogo sem mim,
Sem mar.
Embora não morro,
Imploro socorro –
NAD(há)R!
Já não há socorro:
No vácuo eu morro,
Enfim...
Mas com ou sem mar,
Perdi-me a nadar
Em mim.
(21/01/2011)
Atenciosamente,
PAMPLONA.
TABULEIRO DE EGOS
(Paulo Betto Meirelles)
De: Filipe Pamplona.
Niterói, RJ, 30 de março de 2011.
Em primeiro lugar...
Saudações! Meu caro amigo,
Eis uma proposta de livro que se consolidou. O desafio de agregar
vários poemas que emergem de maneira aleatória num único livro, ostentando
início, meio e fim – um conflito que abre e se desfecha – este desafio foi
vencido com maestria, notando-se os ‘poemas aleatórios’ e aqueles
especialmente escritos para o enredo, criando as devidas pontes de ligação. O
objetivo desta ‘carta crítica’ é ceder um pouco da experiência, observação e
reflexão que o ‘Tabuleiro de Egos’ me proporcionou, além de ressaltar alguns
aspectos da linguagem que julguei interessantes.
Os poemas, de modo geral, abusam da 1ª pessoa! Deve-se notar que
tal destaque para a função emotiva da linguagem vem a fortalecer a
profundidade lírica proposta pelo autor, o que chega a formar através de 64
casas (64 poemas diferentes) o que seria um tabuleiro de egos, propriamente
dito. Aqui o lirismo mergulha e afoga em si mesmo, passando por fugazes
momentos de equilíbrio e satisfação. Na medida em que novos dilemas vão se
incorporando, vemos uma sucessão de ‘egos’ – estados de espírito diferentes –
que se saturam (martelam no mesmo prego!), agonizam até se renovar. Sendo
nesta imensa divergência de ‘egos’ apresentada que jaz a riqueza do livro:
diferentes posturas para lidar com as indagações mais fundamentais da mente
humana, porém, na juventude potencializadas. No transcorrer das páginas um
amadurecimento do poeta se torna visível, sem cometer o equívoco de tentar
dar respostas, mas tratando os dilemas já com outra visão.
O livro adota a “facilidade” do verso livre como forma mais pura de
espontânea expressão. Mas esta simplicidade na forma (em termos mais
clássicos) dá lugar a uma riquíssima veia de se brincar com as palavras, seja
na sua espacialidade, semântica, sentidos ou diferentes correlações. Direto e
reto, no caminhar da leitura nos esbarramos com uma brincadeira nova que
demonstra brilho e talento na sua confecção. Parabéns! Esta veia lúdica com
as palavras deve ser levada adiante, pois ela sim contribui direto pra função
poética da linguagem, independente de expressar sentimentos ou quaisquer
opiniões.
Permita-me o pecado de apontar meus 5 poemas preferidos – não que
os demais tenham menor importância, na conjuntura do livro são todos
essenciais, mas estes em qualquer contexto valeriam a leitura, aplaudidos de
pé! – são eles:
_ Novo Lar
_ Santa Safada (Supra-sumo)
_ A_cor_do?
_ O Canalha do Amor
_ V “O cerne da missão poética”
Cometo a injustiça de não apontar alguns outros, mas esta seleção
fortalece a abordagem que estou dando agora, ao dizer: ego, forma,
brincadeira com as palavras e coesão com a obra, como um todo. Agora darei
descrições importantes do meu processo de leitura, pois foram escritas na
medida em que eu terminava cada capítulo, passando mais forte minha
interação com a obra do que quaisquer observações gerais... O legal é que o
cenário de um jogo foi a forma mais divertida de expor minhas opiniões, como
se fosse um intruso observador de uma partida de xadrez, querendo dar palpite
no jogo dos outros, mas de repente envolvido num jogo próprio...
I. XEQUE
Deve-se notar que o livro já começa com o ‘Tabuleiro’ em xeque,
estando em xeque o próprio eu-lírico. Por que não haver descrito o início do
jogo? O que levou o eu-lírico a ser xecado? O que o coloca em xeque é a
própria vida, a realidade, a mera existência... E talvez o início da obra se dê
neste ponto, pois a partir dele que a poesia emergiu e o autor se viu poeta –
“profissão” escolhida para encarar os seus dilemas.
Neste primeiro capítulo vejo um poeta agoniado, realmente ‘dilacerado’
e atormentado pela fraqueza diante dos mistérios do mundo, os quais fomos
imersos sem escolha. Ou seja, jaz em xeque sua ambição e orgulho pelo
saber, a busca do entendimento e da auto-compreensão; mais profundamente
– jaz em xeque seu ego! – É bom que o próximo capítulo seja ‘Intrepidez’, ou
melhor, coragem (pois é necessário).
* Destaques para: ‘Por um triz (O fim do quase)’
& ‘Relatos Dilacerados’.
II. A INTREPIDEZ
Em resposta ao capítulo anterior, como esperado, o sujeito que se via
em xeque realmente ‘revoluciona-se’ e cria ânimo para enfrentar a partida
e retomar o jogo. A jogada utilizada é “nadar contra a corrente”, beber
da contrariedade para dar força ao ‘ego’, ou seja, por um instante (com
tamanha intrepidez) o eu-lírico sai de xeque e desfruta de um sublime êxtase
(brilhantemente expressado em ‘Novo Lar’), porém pouco duradouro, pois a
maquinaria semântica do último poema já denuncia uma crise que está para
entrar, ou já entrou!
* Destaques para:
‘O Inverso do Oposto é o contrário...’
& ‘Novo Lar’.
III. ENTRE A REDENÇÃO E O RECOMEÇO
O jogo continua...
‘Entre a redenção e o recomeço’, o eu-lírico opta pelo recomeço, sem
dúvida. Na verdade, recomeçar é algo que o sucede continuamente, mas traz
seus desgastes – o enrijecimento gradativo do ego, a despedida da pureza (a
cada renovação) e os desgastes do dia-a-dia vão dificultando este ‘processo’...
Como uma máquina que vai gastando óleo e um dia emperra!...
É interessante a solução poética dada para este conflito: além de se
observar uma crescente postura de resignação perante a tudo, a sabedoria da
calma é utilizada no último poema, produto de um cansaço, mas um cansaço
que traz bons frutos e fortalece a crença na palavra, na poesia.
* Destaques para: ‘O Processo’
& ‘Hoje Mais-Que-Perfeito’
IV. O CIRCO DOS ANSEIOS
Neste quarto capítulo há uma grande ligação e desfecho com os três
anteriores: é como se eles fossem ensaios teatrais para a apresentação do
espetáculo agora, um espetáculo fracassado! – Todas as ânsias já foram
apresentadas anteriormente, mas agora voltam e se saturam. Os poemas se
afogam num lirismo redundante; o jogador está jogando mal a partida –
seu ‘ego’ está fraco, abalado, entregando pontos... ‘O Circo dos Anseios’ está
velho e sem graça, prestes a pegar fogo, ou melhor, precisa pegar fogo... Os
prantos derramados trazem simplicidade ao capítulo e o tornam especial.
Talvez toda esta situação de fraqueza simule o blefe posterior, ou que vem
sendo feito...
* Destaque para: ‘Prantos de uma Singela Sexta-feira’.
V. O PREÇO DO BLEFE
‘O preço do blefe’, dos anseios e da busca por respostas trazem neste
capítulo um poeta amadurecido, com um olhar mais singelo de sua condição...
A agonia, inquietude e desespero dão lugar à calma melancólica e a uma maior
aceitação de seu estado, da fugacidade da vida... Tudo passa a se resumir à
vida! Na minha opinião, é um capítulo de reconhecimento e o preço do blefe é
a frustração – sentimento que fere a ambição, mas amadurece o poeta.
VI. A JOGADA PERFEITA
Bravo!
‘A jogada perfeita’ é um capítulo de superação neste livro. O anterior,
embora não tão brilhante, previa um êxtase na criação poética posterior;
anunciava esta superação, ou até exigia...
O lirismo que já se saturava anteriormente é superado; o
amadurecimento do poeta se consolida, sendo o sentimento nostálgico (de
regresso à infância) a força motriz desta evolução. O poeta direciona seu olhar
pro passado já vivendo as surpresas e clímax do presente, da vida adulta,
mas com alto teor de juventude – isto fortalece seu ‘ego’ e digamos: por um
momento faz uma jogada que seus adversários tremem.
O jogo esquentou!
* Destaque para todo o capítulo!
(Todavia, a brincadeira semântica e na forma de
‘Santa Safada’ deve ser aplaudida de pé).
VII. SETE ERROS
Depois da ‘Jogada Perfeita’ é previsível que outra crise floresça. Este
sétimo capítulo atua como uma ressaca de um êxtase, demonstrando uma
partida acirrada em que os egos estão constantemente em confronto,
passando por fugazes momentos de equilíbrio, de superação...
Os ‘Sete Erros’ aqui apresentados – que eu equivocadamente resumo
em: covardia, orgulho, renúncia, morte, dor, o amor e o medo – não são
necessariamente erros, mas inconseqüências acidentais da vida, que no
interior do poeta fogem de seu controle, tornando-se fontes de suprema
perturbação. Acho que ‘Sete Perturbações’ resume o meu entendimento deste
capítulo.
Destaque para: ‘A_Cor_Do?’
(Adorei o jogo com a palavra
e me identifiquei com o poema).
VIII. A CARTA NA MANGA
Onde esta tal ‘Carta na Manga’? Não sei, talvez na loucura. Vejo este
capítulo como uma tentativa de esquivo, um poeta que passa a tentar vencer o
jogo de outras formas, por outros lados...
* Destaques para os poemas:
‘O Canalha do Amor’ & ‘Outra Chance’
(Especialmente o poema ‘O Canalha do Amor’,
pela sua escansão e ritmo levemente seguidos,
característica não muito presente até agora no livro,
além de sua abordagem e sonoridade irreverentes).
IX. O PRESTÍGIO DE CADA PEÇA
Fundamentalista é este capítulo!
Natural que num tabuleiro de egos uma hora se recorra a isto, tais temas
não podiam deixar de ser abordados...
Os paralelismos, ritmos, rimas, as antíteses, o paganismo com religião
e o jogo com as palavras tornam este capítulo especial, diferenciado, o que
significa evolução.
Destaque para: ‘Um Mundo Falho (Imagina a ação?)’
“Não egonize,
Egoneça!”
X. PAGANDO PRA VER À FLOR DA PELE
Bravo!
Bato palmas de pé, mas desta vez em plenitude... Aqui o livro se
consolidou! Não estou a comparar a maestria de cada poema com os
anteriores, aqui não se encontram necessariamente os melhores – porém,
neste capítulo o cerne poético do livro se afirmou. A partir dele todos os
capítulos anteriores ganham sentido, unem-se e consolidam a obra como um
todo.
Das crises passadas ao amadurecimento do poeta, aqui o desafio para
ele se revelou, só lhe restando aprumar o corpo e partir pra guerra, nesta
reta final do ‘Tabuleiro de Egos’. O interessante é que o capítulo, por si só,
abre e se desfecha muito bem; transcorrendo as noções do nascimento, da
insignificância, da riqueza céptica, da temporalidade dolorosa e da GUERRA
DOS EGOS (como prefiro chamar o penúltimo poema), fechando com o cerne
da missão poética – o poema ‘V’ (que desfecha também a série dos quatro
anteriores, trabalhados nos outros capítulos – daí um ponto de ligação).
Finalmente o eu-lírico encarou o desafio e partiu pro “tudo ou
nada”, “vida ou morte”, pagou pra ver à flor da pele, restando-nos saber aonde
chega esta partida nos capítulos seguintes.
* Destaques para: ‘Dói’
& respeito máximo ao poema ‘V’.
XI. A FÚRIA REVELADORA
Algumas aflições já saturadas anteriormente aqui se repetem, mas
tomam uma intensidade diferente – o jogador já é outro, a partida já está em
outro estágio...
A ‘Fúria Reveladora’ talvez esteja no ato de escrever, no qual o eu-
lírico se expressa e se descobre, sendo no poema ‘Ahhhhhhhhhh...’ que uma
barreira é quebrada neste livro: depois de toda uma peregrinação e conflito de
egos ao longo dos capítulos, vê-se o poeta finalmente expressando um grito de
liberdade e de fuga ao seu lirismo, um grito verdadeiro! Por um instante todo o
egocentrismo do Tabuleiro se cala, antecedido dos versos:
“Basta de mim querido universo
Basta disso tudo”
Porém é triste, pois pra qualquer lado que ele corra não há solução. O
caráter céptico do livro se consolida neste capítulo. Tudo o que lhe resta é o
amadurecimento e jogar o olhar para novas direções, adotar novas casas pro
ego. É uma partida invencível, o que resta é adiar a derrota... Aplausos ao
grito! Por um instante o eu-lírico quase chegou lá.
XII. XEQUE MATE
O ‘Xeque Mate’ aqui dado (bem escolhido) foi não haver xeque mate
algum. A partida continua, o que significa: o poeta está vivo, sobrevivendo...
Posso agora afirmar que o desafio poético proposto no livro foi de
extrema complexidade e, talvez, de impossível solução. Tentar solucionar
poderia se tornar um equívoco, morrer seria a derrota, portanto a melhor
solução realmente é o esquivo, ou seja, não por fim à partida, deixar que a vida
o imponha. A justificativa está na frase genial: ‘O ponto final é um crime’.
* Destaques finais para o poema ‘Etra’
e devo dizer que o desfecho com a Ampulheta é ótimo.
Parabéns!
Um filme que faria uma analogia perfeita com o ‘Tabuleiro de Egos’ é
o ‘Sétimo Selo’, de Ingmar Bergman. Ali o protagonista joga uma partida de
xadrez com a ‘Morte’, tornando o tabuleiro um ensaio da vida em que a vitória é
impossível. Sendo a morte a única certeza, o que resta a fazer é adiar a derrota
(estender a vida), para isso buscando jogadas cada vez mais precisas...
Por final, quero elogiar mais uma vez o desafio enfrentado e, tendo
vencido ou não, posso afirmar que fostes um bom guerreiro! A arte do livro
(capa, fotografias, diagramação e etc.) está excelente e constrói bem o cenário
para leitura.
Basta de elogios! Mergulhando mais afundo... Neste ‘Tabuleiro’ pude
compartilhar de diversos anseios e perturbações que ao serem expostos
aqui, demonstraram não fazer parte só de mim, do autor ou de poucos que
leem, mas de uma geração também... Talvez, quando estivermos mais
velhos veremos tais anseios com outros olhos, com mais simplicidade (e
outros equívocos da velhice!), mas agora somam suprema importância da
qual devemos acreditar que daremos um passo à frente, passo este que as
gerações passadas não deram. Sou, antes de tudo, um otimista humano e
acredito nessa rapaziada esperta que está vindo por aí, da qual você e sua
obra já se incluem.
Além da amizade e dos pontos de encontro, depois do meu
envolvimento com o livro posso afirmar que tu, Paulo Betto Meirelles, deixaste
de ser um amigo apenas de festas e apertos de mãos, mas uma pessoa da
qual tenho profundo respeito intelectual.
É a hora!
* Segue um singelo poema...
O qual posso dizer que o ‘Tabuleiro’ me inspirou.
LIRISMO
Já não sei nadar,
Embora no mar
Não morro,
Mas dentro de mim
Afogo sem fim –
Socorro!
Já dentro do fim
Afogo sem mim,
Sem mar.
Embora não morro,
Imploro socorro –
NAD(há)R!
Já não há socorro:
No vácuo eu morro,
Enfim...
Mas com ou sem mar,
Perdi-me a nadar
Em mim.
(21/01/2011)
Atenciosamente,
PAMPLONA.